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sexta-feira, maio 20, 2011


A arte de desenhar na infância

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A arte de desenhar na infância

Se, antigamente, o desenho não tinha qualquer relevância, ou seja, era visto como uma linguagem num sentido mais restrito, atualmente, por meio de pesquisas na área, percebe-se que buscar entender o grafismo infantil é uma forma de entender a própria criança e o seu emocional. Ao analisar o grafismo infantil, o profissional da área passa a compreender melhor a criança, sua vida, seu grupo social e, principalmente, seu emocional. Portanto, ao refletir sobre a importância do desenho, o seu desenvolvimento e a sua interpretação, cabe pensar que a criança é um ser completo e ao tomar posse do papel, ela nos mostra sua realidade e o produto dessa realidade que está repleto de sentimentos. O termo 'desenho' é a "representação de formas sobre uma superfície, por meio de linhas, pontos e manchas, com objetivo lúdico, artístico, científico, ou técnico. A arte e a técnica de representar, com lápis, pincel, etc., um tema real ou imaginário, expressando a forma". Assim, o desenho, primeira manifestação da escrita humana, continua sendo a primeira forma de expressão usada pela criança.


Por séculos, a criança era vista como uma miniatura do adulto e sua expressão gráfica nunca havia sido valorizada, pois era considerada imperfeita, e inferior a dos adultos. Mas Rousseau (1712-1778) veio dissipar essa ideia, pois considerava a infância uma etapa distinta e importante do desenvolvimento em direção à idade adulta. Segundo Rousseau: "A criança é uma criança, não um adulto". Desta maneira, surge uma nova visão do desenvolvimento da criança, que passa a poder demonstrar seu prazer e interesse em desenhar e expressar o que sente até mesmo que inconscientemente. Seus feitos ganham vivacidade por representar também o que ela conhece em relação ao mundo.

Por meio do desenho livre a criança desenvolve noções de espaço, tempo, quantidade, sequência, apropriando-se do próprio conhecimento, que é construído respeitando seu ritmo. Tendo essa concepção de respeito ao ritmo individual de cada criança que as escolas e creches estão sendo alicerces para estimulá-las no desenhar, pois os profissionais acreditam que essa atividade artística é parte importante tanto para o desenvolvimento infantil, como para o conhecimento dos alunos. A criança toma posse do conhecimento mediante a sua representação. Seja, no início, por meio de rabiscos até um esquema corporal mais elaborado, cada desenho da criança reflete um estágio de desenvolvimento. E se o desenho revela um estágio do desenvolvimento da criança, o mesmo pode ser dito em relação ao progresso do desenho propriamente dito, pois mediante o crescimento dela, o seu desenho também evolui a olhos vistos. Se, a princípio, a criança apenas experimenta muito mais do que expressa (por volta dos 18 aos 24 meses), o mesmo não acontece à medida em que cresce; pois o desenho ganha um outro aspecto, ou seja, o de não só representar o que para ela significa o real, ao mesmo tempo em que se transforma em um jogo.

O desenho representa, em parte, a mente consciente da criança, mas também é uma forma interessante de fazer uma conexão com o inconsciente. Portanto essa manifestação da criança está repleta de simbolismo e mensagens.
Ao pensar na questão do modelo, percebe-se que a criança ao desenhar, na realidade, está expondo o seu "mundo real" para os demais, como ela o vê e sente. O desenho manifesta o desejo da representação, mas também, antes de tudo, é medo, é opressão, é alegria, é curiosidade, é afirmação, é negação. Ao desenhar, a criança passa por um intenso processo vivencial e existencial. Segundo Ostrower, 1978: "O processo vivencial está diretamente ligado ao processo criativo". A criança sem a apresentação de desenhos estereotipados acaba por apresentar uma visão da realidade mais natural, sem o contágio do social, porém isso acarreta desenhos mais pobres graficamente falando.


Ao perder a inocência no desenho, a criança, na realidade, acaba por adquirir conhecimento. Em contrapartida, ela passa a representar a realidade mais próxima possível da perspectiva adulta. Portanto, o desenho, enquanto linguagem reflete uma postura global. Desenhar não é copiar formas, figuras, não é simplesmente proporção, escala. Desenhar objetos, pessoas, situações, animais, emoções, ideias são tentativas de aproximação com o mundo. Desenhar é conhecer, é apropriar-se.

"Ao perder a inocência no desenho, a criança, na realidade, acaba por adquirir conhecimento"

Já dizia Luquet (1969) que: "A fase áurea do desenho infantil é o realismo intelectual, ou seja, quando a criança desenha o que ela sabe e conhece do objeto e não o que ela vê". Portanto, o que se pode observar dessa primeira impressão do desenho infantil é que ele muito se assemelha à arte moderna porque nele também está incutido o impulso, a liberdade em mostrar a "realidade íntima do indivíduo, sem se ater a estereótipos". Então, como querer que a criança use símbolos gráficos estipulados pelo adulto, que são as letras, se ela não elaborar sua ideia usando símbolos que ela conhece? Ou seja, utilizando-se do desenho - grafismo infantil.

Análise mais profunda

Com o objetivo de uma análise mais profunda do grafismo infantil, alguns aspectos devem ser ressaltados para uma exploração melhor do assunto abordado. Para tanto, é necessário evidenciar alguns pontos:

O espaço: quando a criança desenha uma pessoa ou árvore, o desenho pode ser dividido por uma linha transversal imaginária, em uma parte superior e outra inferior e, por uma linha vertical, em um lado esquerdo e outro direito. Existe suporte geral para a interpretação de que pequenas figuras desenhadas perto ou na parte de baixo da folha expressam sentimentos de inadequação, insegurança e mesmo depressão, enquanto os que estão na parte de cima sugerem otimismo, talvez narcisismo e fantasia;

A linha: uma figura desenhada com linhas leves, indecisas e quebradas sinaliza uma criança insegura e deprimida. Ao contrário, uma figura vigorosa, contínua e livremente desenhada, é expressão de autoconfiança e sentimentos de segurança;

O sombreamento: o sombreamento obscurece a figura fundamental na sua totalidade ou em partes específicas. Esta característica é interpretada como uma expressão de ansiedade. Isto ocorre, de fato, nos desenhos de pessoas cuja ansiedade é um elemento saliente em seu comportamento;

A integração: é bastante raro a figura humana ser desenhada de forma desconectada, com as partes do corpo dispersas sobre a folha. Mesmo a figura de girino, com braços e pernas saindo da cabeça, representa uma pessoa completa, cujas partes, apesar de poucas, são aquelas vistas como representação essencial de uma pessoa, em certo estágio particular do desenvolvimento infantil.

Piaget, Vygotsky e o desenho

Para Piaget, as crianças individuais constroem conhecimento por meio de suas próprias ações: entender é inventar. Para Vygotsky, a compreensão perpassa pelo contraste social. Embora Piaget nunca tivesse negado o papel da igualdade social na construção do conhecimento, esboçando, inclusive, que a individualidade e o social são importantes, foi seu sucessor que realmente fundamentou toda a sua teoria no social, ou seja, a criança antes de tudo era um ser social. Ainda segundo Piaget, a criança passa por fases do desenvolvimento, sendo cada qual com sua característica, não sendo uma regra, mas um embasamento para entender o desenvolvimento infantil. Os estágios de Piaget colocam a tônica na função intelectual do desenvolvimento. Ele não nega a existência e a importância de outras funções, mas delimita e especifica o campo da sua investigação ao domínio da epistemologia genética. Esses estágios são evoluções sequenciais, tanto motoras quanto intelectuais. Os estímulos auxiliam a essa evolução que proporcionará seu avanço cognitivo. Portanto, se para Piaget o desenvolvimento do cognitivo se dá pelo conhecimento epistemológico, Vygotsky vem complementar a teoria de seu mestre ao valorar o papel do social na evolução da criança e, portanto, no envolvimento de tudo aquilo que a cerca, como o desenho.

Ao pensar nas fases de desenvolvimento de Piaget, pode-se observar que as crianças até dois anos só fazem riscos. Por volta dos três anos, o significado que antes era inexistente, passa a apresentar-se por conta do sentido dos riscos na horizontal, vertical, espirais, círculos, porém a criança ainda não é capaz de nomeá-lo. É só por volta dos quatro anos que a criança começa a perceber o seu desenho e, portanto, projeta nele toda a sua afetividade e sua própria realidade. É neste momento que o seu desenho ganha um status compreensível para o adulto. Nesta fase a criança deixa de lado a sua "inocência" primeva, e passa a ser contagiada por outras realidades que não somente a dela.

Importância do meio

Vygotsky concebeu a teoria de uma zona de desenvolvimento proximal, que se refere à distância entre desenvolvimento potencial e real. O primeiro nível é tudo aquilo que a criança pode aprender e o segundo é o que ela de fato já aprendeu. Ela aprende por meio da relação social, intermediado por um adulto, que atue como mestre, ensinando e levando suas potencialidades ao campo real. A figura do adulto deve ser preenchida pelos pais e professores.

Assim, o social se abre mais claramente para ela e é também nesta situação que a teoria de Piaget dá lugar para Vygotsky que vem ressaltar esse social, apresentando a criança como um ser social e que, portanto, tudo que está ao redor dela faz parte dessa nova realidade na qual ela sempre esteve inserida, mas que só agora se dá conta.

No ato do desenho, a criança se revela oralmente e isto pode ser utilizado como uma chave para a compreensão do que seu inconsciente pretende revelar. Porém, melhor que a fala, os desenhos expressam por si mesmos delicadezas do intelecto e afetividades, aspectos sutis que são perceptíveis e que estão ao mesmo tempo além do poder ou liberdade condicionada pela comunicação verbal. Assim, se o grafismo infantil é a expressão pessoal da criança, o mesmo pode ser refletido quanto ao significado dado a ele, algo individual e intransponível.

Deve-se levar em consideração também à idade e o nível de desenvolvimento em que a criança se encontra porque esta subdivisão vai refletir a maturidade do grafismo infantil e determinados conhecimentos, o que facilita a análise.

As aparições constantes de determinados símbolos serão de grande auxílio para uma posterior análise, pois a repetição leva o observador a reavaliar o real significado dessas aparições no desenho da criança, podendo ter relação com algo marcante e/ou mesmo traumatizante, ou seja, tentando refletir o obscuro emocional.

Quando observada a fase de desenvolvimento em que a criança se encontra, outros tantos dados são levados em consideração para uma análise mais profunda do seu grafismo infantil, desde a presença e/ou ausência de partes da figura humana até a estrutura de distribuição do desenho no papel que denotam questões importantes sobre a criança e podem ter um significado conceptual ou afetivo.

A criança insegura, entre as idades de 18 e 24 meses, encara a situação de desenhar de forma hesitante, toca o lápis cautelosamente com a ponta dos dedos, eventualmente tendo coragem de apertá-lo, fazendo poucas linhas, minúsculas e parcamente visíveis, num canto da folha. Quando mais velha, a criança insegura desenha a figura humana com linhas pequenas, trêmulas e quebradas, criando uma figura pequena, afastada do centro.
                                                           Guilherme Riquito 1 ano

                                                              Marta Riquito 2 anos


                                                               Beatriz Riquito 3 anos


                                                               Beatriz Riquito 4 anos

Em contraste, a criança segura revela a alegria de viver numa garatuja arrojada e vigorosa, com pressão forte por todo o comprimento e largura do espaço disponível. Mais tarde, ao desenhar a figura humana, o estar livre de ansiedade sufocante, será expresso no tamanho da figura e na impetuosa e boa pressão da linha, que tende a ser contínua, sendo a figura posicionada no centro da folha e não localizada num canto.

Desenhos representativos começam às vezes entre 3 e 4 anos, com a chance de se descobrir que o que tinha sido mera garatuja pode ser agora feito deliberadamente para simbolizar alguma coisa do mundo visual. Esta coisa pode, provavelmente, ser uma pessoa representada por uma cabeça. Logo, dois pequenos círculos serão os olhos e outro a boca. Não demorará muito antes de linhas brotarem da enorme cabeça e teremos o essencial de uma pessoa reduzida à forma de um girino.

Realismo visual

Como por volta de 7 ou 8 anos, ocorre uma mudança qualitativa e quantitativa, quando "o realismo intelectual" dá lugar ao "realismo visual" (Luquet , 1969). Estes termos expressam, em substância, a metamorfose de um pensamento egocêntrico para uma crescente visão objetiva do mundo.

O lado afetivo revela muito sobre uma criança e para Piaget a afetividade está interligada com a inteligência. Segundo Lauro de Oliveira Lima (apud. Piaget , p. 90): "Para que a inteligência funcione, é preciso um motor que é a afetividade". Ou seja, um não exerce força sem o outro. Esse também é um ponto que explica o porquê das defasagens escolares, o não entendimento e interação na escola. Quando o lado afetivo está comprometido, a criança transparece isso mesmo que sem querer, e isso se torna um auxílio ao educador.

Não existe um fato afetivo sem um componente cognitivo, assim a afetividade se torna uma espécie de temperatura segundo Piaget. Para Lauro de Oliveira (citado por Janet, p. 90): "Inteligência e afetividade são complementares, irredutíveis e indissociáveis". O emocional é a chave para compreender uma criança; como vive, sua personalidade, como se vê enquanto sujeito e como vê os outros.

Ao ressaltar a importância do grafismo infantil buscou-se demonstrar que ele reflete a própria criança. A influência que a sociedade exerce sob a criança determina a sua própria representação gráfica, dependendo do seu contexto e de suas experiências, pois se há um mediador entre o mundo real e o imaginário infantil, esse é o desenho.

Por meio dele, a criança pede, delata, informa tudo o que sente, sabe e vê e essa ferramenta facilita a compreensão de profissionais no que envolve uma criança em questão.

Ao pensar na criança como um ser social, dá-se a oportunidade de pensá-la também à luz da liberdade, por meio da única comunicação que a reflete por inteiro, o desenho. Grafismo infantil que favorece o prazer à criança e se torna um espelho a quem o vê.

Referências

BÉDARD, Nicole. Como interpretar os desenhos das crianças. São Paulo, Isis, 2a ed., 1998.

CAMPOS, Dinah Martrins de Souza. O teste do desenho como instrumento de diagnóstico da personalidade: Validade, técnica de aplicação e normas de interpretação. Petrópolis, Vozes, 33a ed., 2000.

COX, Mauren. Desenho da criança; tradução de Evandro Ferreira. São Paulo, Martins Fontes, 2a ed., 2001.

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo, Scipione, 3ª ed., 2003.

DI LEO, Joseph. A interpretação do desenho infantil; tradução de Marlene Neves Strey. Porto Alegre, Artes Médicas, 3a ed., 1991.

KAMII E RHETA, Constance e Devries. Piaget para a educação pré-escolar; tradução de Maria Alice Bade Danesi. Porto Alegre, Artes Médicas, 2º ed., 1992.

LIMA, Lauro de Oliveira. Piaget: sugestões aos educadores. Petrópolis, Editora Vozes, 2ª ed., 2000.

LUQUET, G.H. O desenho infantil. Porto: Livraria Civilização, 1969.


Kiara Elaine Santos da Silva é bacharel em Pedagogia com Licenciatura plena pela Universidade Camilo Castelo Branco, é Psicopedagoga (Lato Sensu) pela Universidade Camilo Castelo Branco. Atua como professora das séries iniciais do ensino fundamental.

Ida Janete Rodrigues é mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutora em Psicologia pelo Departamento de Psicologia Clínica da USP. Atua como psicóloga, psicopedagoga e professora adjunta da Universidade Paulista. idajanete@hotmail.com

Thiago de Almeida é mestre em Psicologia Experimental pelo Instituto de Psicologia da USP e atua como Psicólogo clínico, especialista na área do tratamento das dificuldades em relacionamentos. thiagodealmeida@thiagodealmeida.com.br

Portal Ciência & Vida


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